Aquele final de tarde tinha-se vestido de outono. As folhas amareladas que cobriam os passeios combinavam com o céu descoberto e frio, que aos poucos se foi pintando de um tom alaranjado. Era dia de torneio solidário no histórico Clube Desportivo da Graça. Junto ao sintético, as seis equipas, compostas por DJs e malta ligada ao mundo da música eletrónica, estavam prontas para a primeira edição da Copa de Batidas, que se queria memorável. Com a música a irromper das colunas e a bola colocada no meio campo, estava na hora, por fim, do ansiado pontapé de saída.
“O desporto conecta as pessoas, tal como a música”
A bola já tinha beijado as redes algumas vezes quando Maarten, o organizador da Copa de Batidas, teve uns minutos para se sentar à conversa connosco. Começou por nos contar que o conceito deste torneio solidário não tem a sua assinatura. Na verdade, a ideia de transportar estas pessoas dos clubs para o campo de futebol nasceu em Amesterdão, a sua terra natal.
Quando chegou a terras lusas, há cerca de um ano, rapidamente percebeu que este conceito poderia ser bem sucedido por cá: “Em Portugal toda a gente ama futebol, as pessoas são muito abertas e a cena da música eletrónica é muito cool. Claro que fazia todo o sentido fazê-lo”, refere.
Como ainda não fala português, Maarten sentiu alguma dificuldade em encontrar um campo que pudesse acolher o torneio solidário. Mas, através da recomendação de um amigo, percebeu que a Field podia facilmente solucionar o problema. Em pouco tempo, criou-se uma “sinergia natural” e o campo de futebol de 5 do Clube Desportivo da Graça, conhecido pela sua vista para o Tejo, foi escolhido como o palco perfeito para a iniciativa.
André Granada, jogador da equipa East Side Radio, acredita que esta é uma iniciativa importante para conectar colegas do mesmo setor. Por entre um sorriso, diz que é engraçado ver durante o dia pessoas que habitualmente só encontra na noite. “Faz todo o sentido juntar música, amigos e futebol”, conclui.
Essa é, precisamente, a filosofia de Maarten. Segundo o organizador, a música e o desporto partilham essa capacidade ímpar de despertar paixões e aproximar as pessoas. Mas não é só essa mistura que faz deste um encontro especial. Neste torneio solidário, tanto o esférico no campo como os pratos na mesa de mistura giraram sempre em nome de uma causa maior.
Um torneio solidário em nome dos refugiados
Além de ter o objetivo de juntar amigos e de lhes proporcionar um momento de convívio e competitividade saudável, a Copa de Batidas tem uma missão solidária. O dinheiro recolhido junto das seis equipas do torneio solidário é canalizado integralmente para a Klabu, uma organização sem fins lucrativos que utiliza o desporto como ferramenta de empoderamento e integração de jovens refugiados.
Hoje, existem cerca de 25,9 milhões de refugiados no mundo. Mais de metade destes têm menos de 18 anos e passam uma grande parte da sua juventude em campos onde as condições de vida são penosas. Ora, impulsionado pela vontade de melhorar esta situação, o advogado holandês Jan van Hövell criou a Fundação Klabu (que significa ‘clube’, em suaíli), para melhorar a vida destes jovens através do desporto.
A instituição constrói clubes desportivos nos locais onde os jovens refugiados tentam reconstruir as suas vidas. Além dos campos de jogos, a Klabu fornece equipamentos e material desportivo, garantindo que todas as pessoas, independentemente do género, das condições financeiras, da nacionalidade ou do credo, possam usufruir da felicidade proporcionada pela atividade desportiva.
Citada pela Forbes, Charlotte Jongejan, uma das fundadoras da organização, defende que o desporto tem uma capacidade inigualável de juntar pessoas diferentes e de lhes oferecer bons momentos: “Quando estes jovens marcam um golo, transpõem o sentimento de orgulho e confiança para fora do campo. Transportam-no para o seu dia a dia”.
Foi esse o sentimento que se viveu, também, no Clube Desportivo da Graça. Com a promessa de uma nova edição do torneio solidário na Primavera de 2020, Maarten acredita que o desporto é sempre uma boa solução para juntar amigos e lutar por boas causas: “Mesmo que nem toda a gente seja boa dentro de campo, acaba-se sempre a sentir o espírito. O futebol une as pessoas, dá-lhes esperança e inspira-as”, remata.
Depois de 16 jogos, mais de 80 golos e 4 horas e meia a ver a bola girar, foram reunidos 360€ para ajudar a causa da Klabu. No final da tarde, fica a certeza de que, seja num campo de refugiados no Quénia ou no sintético do Clube Desportivo da Graça, aquilo que se vive dentro das quatro linhas é sempre muito mais do que apenas futebol.